O penteado de Rita Pereira: apropriação cultural ou apreciação cultural? Entenda com o antropólogo Messias Basques e o historiador de arte Marcos Dias

Janilson Duarte
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Nesta semana a internet esteve em alvoroço, devido ao novo visual da actriz, modelo e apresentadora da televisão Portuguesa Rita Pereira, que surgiu com um penteado de origem Africana – os famosos Twists.

Depois de Rita Pereira decidir mudar de visual (segundo a actriz, como forma de homenagear a comunidade negra), a internet não ficou calada, vozes fizeram-se sentir de todos os quadrantes. Enquanto que para alguns o novo visual foi bem-vindo, para tantos outros a atitude da apresentadora não passa de uma apropriação cultural.

Este segundo grupo entende que Rita tencionou usar o penteado para fins não tão legítimos, como criticou a actriz Maria Sampaio, “para brancos é só uma moda e a nossa vida continua igual. Num lugar de privilégio, como sempre! Para pessoas negras não”.

Outros ainda (como se viu nas publicações da internet) alegam que Rita Pereira está a tentar apropriar-se da cultura negra entre os brancos: “tu não és negra para os brancos”, escreveu um internauta.   

No meio deste grande dilema e fogo cruzado em que vive a apresentadora, a pergunta que não se cala é: a sua atitude trata-se realmente de uma apropriação cultural? O que é apropriação cultural?

Sem tomar partido e com o intuito de esclarecer os nossos leitores, a Revista Chocolate procurou trazer à sua atenção este tema. 

O que é apropriação cultural?

“Apropriação cultural ocorre quando tomamos para nós aquilo que originalmente pertencia ao mundo e ao dia-a-dia de outras pessoas. Mas sem que haja um interesse em ouvir, dialogar e aprender com estas mesmas pessoas sobre os usos e costumes relacionados com as coisas que despertam o nosso interesse”, explica Messias Basques, doutor em Antropologia.

Ainda para o sociólogo e historiador de arte Marcos Horácio Gomes Dias, Doutor em história social, trata-se de uma tentativa de subjugar a cultura de outrem.  

“É quando se apropria de uma cultura e selecciona somente o que lhe interessa. Com o tempo, aquilo parece que é de quem se apropriou, que por sua vez passa a inferiorizar quem era o real originário daquela cultura e tradição”, apontou.

Usar elementos de uma cultura com o objectivo de apenas aparecer ou como moda sem pretensão alguma de querer saber mais a respeito é apropriar-se de tal cultura, como afirma o Antropólogo Basques, “quem realmente se dedica a ouvir, dialogar e a conhecer o outro aprende a respeitá-lo, e não apenas a se apropriar da sua cultura em benefício próprio”, completa.

Por quê o conceito apropriação cultural?

Não há nada de errado em aprender e apreciar certa cultura. Desde a sua existência que o ser-humano sempre procurou experimentar diferentes comidas, roupas, enfeites, e coisas como estas de diferentes povos.

No entanto, subjugar e/ou usar o poder de dominância para com os mais fracos ou grupos excluídos na tentativa de tirar proveito dos seu objectos ou tradição sem respeito às suas origens consiste em práticas de apropriação cultural.

“O que está em jogo é justamente que determinados grupos e países, como os da Europa e Estados Unidos, apropriaram-se da cultura do mundo e subjugaram todo o resto. Agora, todos os grupos excluídos estão a cobrar a sua parte da identidade que lhes foi roubada. São todas questões que não foram resolvidas e precisam de ser debatidas até que ocorram”, diz o historiador de arte.

Como consumir e desfrutar de outras culturas de forma respeitosa?

O antropólogo Basques responde a esta pergunta de forma categórica:

“Consumo é um acto político que revela as nossas ideias, valores e atitudes. Antes de comprar ou usar qualquer coisa, não custa nada refletir: o que é que eu sei sobre essa coisa que me chama a atenção? De onde ela vem? Quem a produz? Quanto é que esta pessoa ganha por esse produto? O que mais eu poderia aprender com esta pessoa, além de usar um objecto que faz referência a ela e à sua cultura?”, aconselhou.

Sobre se Rita Pereira está ou não apropriar-se da cultura Africana, explicou:

“Não sou eu, uma branca privilegiada, que devo falar sobre isto, mas tendo consciência plena deste privilégio e da influência que tenho no meu país, não posso ficar calada, deixando que me apontem o dedo como desinformada”, disse.

Fazendo menção à experiência de uma amiga, disse: “o cabelo de um africano, as danças e o afro [são vistos] pelos racistas como sujo, impróprios, pouco profissionais e não são dignos”, contou. “Devido à minha história de vida em relação à cultura africana, o facto de respeitar, admirar e honrar a cultura, sendo activista em relação ao racismo, faz com que não seja apropriação cultural, mas sim apreciação cultural”, esclareceu.

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