Giorgio Armani mais uma vez dita a tendência. Foi o primeiro a desfilar a portas fechadas, deixando muitos boquiabertos na altura porque entendeu imediatamente, antes de todos, a gravidade da situação e estava pronto a agir no que toca à prevenção.
Desta vez, numa carta aberta à WWD, o designer expôs o seu ponto de vista sobre o que a situação desencadeada pela pandemia do Coronavírus pode contribuir para a mudança na indústria da moda.
A carta já levantou ondas, debates e conta com o apoio público de colegas ilustres, entre os quais Donatella Versace, Elisabetta Franchi, Marco Baldassarri e Rick Owens.
‘’Escrevo esta carta aberta à WWD e, em particular, a Miles Socha e aos seus colaboradores Samantha Conti, Alessandra Turra e Luisa Zargani, em relação à excelente peça ‘’Will Flood of Collections Yield to Slower Fashion?’’ (…) Quero parabenizá-los: a reflexão sobre o quão absurdo é o estado actual das coisas, com a superprodução de roupas e um desalinhamento criminoso entre o clima e a estação comercial, é corajoso e necessário. Partilho todos os pontos, em solidariedade com as opiniões expressas pelos meus colegas. Durante anos, venho a levantar as mesmas questões durante entrevistas colectivas após os meus shows, geralmente inéditos ou considerados moralistas.
A emergência actual, por outro lado, mostra como uma desaceleração cuidadosa e inteligente é a única saída: um caminho que finalmente trará valor ao nosso trabalho e fará com que a sua importância final seja percebida como importante e de verdadeiro valor. O declínio do sistema da moda como o conhecemos começou quando o sector de luxo adoptou os métodos operacionais do fast fashion, capturando o ciclo de entrega contínua na esperança de vender mais, mas esquecendo que o luxo leva tempo, para ser realizado e para ser apreciado.
O luxo não pode e não deve ser rápido. Não faz sentido que uma das minhas jaquetas ou roupas viva na loja por três semanas antes de se tornarem obsoletas, substituídas por novos produtos que não são muito diferentes. Eu não trabalho assim, e acho imoral fazê-lo. Sempre acreditei numa ideia de elegância atemporal, que não é apenas uma crença estética precisa, mas também uma atitude no design e na realização das roupas que sugere uma maneira de comprá-las: fazê-las durar.
Pela mesma razão, acho absurdo que, a meio do Inverno, haja vestidos de linho nas boutiques e casacos de alpaca no Verão, pela simples razão de que o desejo de comprar deve ser satisfeito imediatamente. Quem compra para colocar no armário à espera da estação certa? Nenhum ou alguns, eu acho. Mas isso, impulsionado por ‘’lojas de departamento’’, tornou-se a mentalidade dominante. Errada, para mudar. Esta crise é uma oportunidade maravilhosa de desacelerar e realinhar tudo; traçar um horizonte mais verdadeiro.
Trabalho com as minhas equipas há três semanas para que, uma vez terminado o bloqueio, as colecções de Verão permaneçam nas boutiques pelo menos até o início de Setembro, como é natural. E assim faremos a partir de agora. Esta crise também é uma excelente oportunidade para restaurar o valor da autenticidade: chega da moda como um jogo de comunicação puro, chega de desfiles cruise ao redor do mundo para apresentar ideias brandas e entreter com espetáculos grandiosos que hoje se revelam pelo que são: inapropriados e até mesmo vulgares.
Desperdícios de dinheiro que poluem (…) Eventos especiais devem ocorrer em ocasiões especiais, não como rotina. O momento pelo qual estamos passar é turbulento, mas também nos oferece a oportunidade única de corrigir o que está errado, de recuperar uma dimensão mais humana. É bom ver que, nesse sentido, estamos todos unidos. Para o varejo, será um teste importante. Aos operadores de moda americanos, quero enviar o meu sincero incentivo pelas difíceis semanas que enfrentaremos. Unidos, nós conseguiremos. Mas teremos de nos unir: essa talvez seja a lição mais importante desta crise.’’
Giorgio Armani
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