A grande entrevista, com Délcio Akweto Gomes Caiaia

Janilson Duarte
15 Min Read

Lançou o primeiro livro e projecto literário angolano que aborda unicamente a questão do design gráfico africano e o segundo em África, depois do Afrikan Alphabets de Saki Mafundikwa, publicado em 2004.

Trata-se de Délcio Akweto Gomes Caiaia, um jovem angolano, estudante, designer gráfico profissional e escritor, amavelmente rendido à arte, diga-se, amante da liberdade de pensamento e da criatividade, que, como muitos outros jovens inconformados com a sua realidade, procurou fazer da sua dinâmica de vida um meio de agregação de valor a outras vidas por intermédio das suas vocações e aspirações.

Em conversa com a Revista Chococlate, Délcio fez-nos saber que começou a dar os primeiros passos no mundo do design gráfico desde muito cedo, graças às ”dicas” e orientações do malogrado Action Nigga, um dos pioneiros desta arte no país.

Entre os vários projectos, o jovem designer gráfico angolano, em Maio último do ano passado, desenvolveu e apresentou ao público o seu E-book. Trata-se do projecto literário “Matriz Africana do Design Gráfico”. Um livro que resulta de reflexões que o autor tem vindo a ter sobre expressão visual autónoma de África na arena Mundial do Design Gráfico, quanto à exposição deliberadamente estereotipada do continente-berço.

Na presente edição do “Matriz Africana do Design Gráfico”, o autor  foca na desconstrução e/ou adaptação de ideogramas, símbolos e pictogramas africanos para a criação de layouts (estruturas de folha e organização de conteúdo).

O livro tem como público alvo os Designers Gráficos, mas é também um material de consulta para amantes e fazedores da arte, estudantes de história e outros interessados.

De acordo com Délcio Akweto Gomes Caiaia, o foco é atingir o mundo, onde todas as edições serão traduzidas para o inglês e o Francês, sem descartar a possibilidade e necessidade de ser traduzido em línguas características de etnias africanas.

O projecto literário pretende lançar 7 edições em formato digital e uma última em suporte físico, que será a compilação de todas as edições. Para este ano, Délcio pretende lançar a terceira e quarta edição.

1- Quando é que despertou o amor pelo Design?

A paixão pelo Design Gráfico surge na minha adolescência, numa altura de muita curiosidade tecnológica, com a influência de um dos meus irmãos, que na altura produzia revistas e eu ficava sempre ao lado a apreciar. Enquanto muitos outros adolescentes se interessavam mais pelos jogos quando entravam em contacto com um computador, eu brincava curiosamente com programas como o Picasa, Photo Impact, Corel Draw e Photoshop. Apanhava muito, porque estava sempre a instalar programas e a danificar os computadores de casa (risos) por causa da curiosidade. No meio de todo este cenário, conheci o kota Action Nigga (in memoria), um dos meus principais mentores como Designer Grafico (talvez ele nunca tenha sabido dessa grande consideração que nutria por ele). Lembro-me que, normalmente, ele tomava o pequeno almoço na Pastelaria Mikana (Kinaxixi) e estava sempre com o seu PC a fazer trabalhos gráficos e sempre que podia passava uns instantes com ele e questionava-lhe muito e ele sempre tinha a santa paciência de explicar (o que na altura eu já podia perceber, praticar e desenvolver).

Posso dizer, sem qualquer medo de errar, que começava aí (entre a curiosidade e a busca pelo conhecimento por parte de pessoas que estavam próximas e já eram mais experientes na área) o meu amor pelo Design Gráfico e sendo mais ousado, pelas artes (risos).

2- O que é que a DC Entertainment  representa para si e jovens como você?

A DC Entertainment é a primeira filha do meu relacionamento com as artes, é o meu ”casulo” como designer gráfico, uma plataforma de gestão de sonhos, visões e iniciativas pessoais e profissionais, que de certa forma também tem agregado valor à vida de outros jovens, parceiros, simpatizantes e colaboradores directa ou indirectamente.

3- E quais são os desafios que este projectos têm estado a enfrentar neste novo paradigma?

Muitos! Mas, de todos os desafios, o que mais enfrentamos, face ao novo paradigma ou, se preferirmos, o ”novo normal”, é o desafio da reinvenção como elemento fundamental e determinante para o mantimento da estrutura e consistência do projecto.

4- É um jovem bastante batalhador e persistente, o que é que o motiva?

Deus, em primeiro lugar e depois o amor pela arte, pela liberdade de pensamento e pela criatividade. Não termino todos os dias a gritar ”bingo”, tenho fraquezas, desgasto-me, penso em desistir, noutras vezes desisto, as dificuldades e imprecisões fazem parte do percurso humanizante da vida, mas nunca morre a esperança de dias e circunstâncias melhores.

Prefiro, à semelhança de Nelson Mandela, pensar da seguinte forma: ”Nunca perco, ou ganho ou aprendo” e assim prosseguimos para o cumprimento do nosso propósito de vida.

5- Recentemente desenvolveu um projecto literário “Matriz Africana do Design Gráfico”, fale-nos dele.

Sim! O projecto  literário ”Matriz Africana do Design Gráfico” é um projecto que tive a oportunidade de desenvolver e para além de ser um dos autores também tenho a oportunidade de coordenar. É um projecto literário que surge da perspectiva de contribuir para o posicionamento devido e autónomo de África, o nosso amado e iluminado continente, na arena global do Design Gráfico.

Um projecto que tem como objecto a nossa riquíssima expressão visual artística africana e como foco de projecção o seu valor estético, cultural e conceptual.

6- Trata-se do primeiro livro e projecto literário de um angolano que fala especificamente sobre design gráfico africano e o segundo em África, depois do Afrikan Alphabets de Saki Mafundikwa publicado em 2004. Como tem gerido esta responsabilidade?

É uma grande responsabilidade. É oportuno declarar que Saki Mafundikwa é que me inspirou a desenvolver o projecto literário ”Matriz Africana do Design Gráfico”. Sou, sem sombras de dúvidas, também parte do seu grande legado profissional. Acredito que quando se trata de África a responsabilidade é sempre ímpar. Abordar África, do ponto de vista autóctone e verdadeiro, é declarar uma guerra epistemológica e ontológica, exige, acima de tudo firmeza, convicção, cuidado no trabalho de pesquisa, reprodução ou mesmo produção de conteúdo. Devemos apoiar-nos, como africanos. O caminho aberto por um, é alternativa de trilha para milhares.

7- É de opinião que haja mais livros que falem sobre o design gráfico africano?

Sim! É importantíssimo, para a reconstrução verdadeira da nossa visão histórica e, mais do que isso, para a percepção real da nossa autonomia artística, da nossa riqueza no ramo das artes e o seu valor real. Aliás, uma das primeiras revoluções que a classe de Designers Africanos precisa abraçar é a pesquisa, estudo e produção identitária própria, e a produção massiva e qualificada de livros tem um papel indispensável neste processo.

8- No contexto do design contemporâneo, em África e particularmente em Angola, como estamos nesta questão?

Respondendo de forma resumida, eu diria que temos boas produções, temos talentos, mas ainda faltam muitos elementos estruturantes que vão desde o ensino e profissionalização da área ao enquadramento e devida valorização mercadológica dos próprios profissionais.

Estes últimos foram e são elementos indispensáveis para que a contemporaneidade se estabelecesse no ramo do design gráfico e não só, pelo menos no caso de outras sociedades, então, a potencialização de África nos diferentes contextos temporais e artísticos no design gráfico, também terá de passar, inevitavelmente, no meu ponto de vista, por estas fases do processo (que é evolutivo).

9- Ao tentar expressar África através do Design Gráfico, o que pretende passar?

ÁFRICA! SANKOFA! UBUNTO! A nossa riqueza cultural, estética, artística, simbólica, enfim… contribuir para a nossa reconstrução e valorização histórica e cultural. Nós somos ricos e mais do que ricos: somos o futuro.

10- Nesta senda, tem estado a colaborar com outros profissionais africanos de Design Gráfico de outros países?

Sim! O projecto é dos africanos. Desenvolvido em Angola, por ter nascido de um angolano, mas é um projecto de África e para África. Há uma equipa multidisciplinar, encarregue de fazer a máquina funcionar, e o projecto conta com a colaboração e participação de designers de outros países. A título  de exemplo, o projecto teve como co-autor na sua 2a edição, publicada no dia 29 de Setembro, o designer gráfico moçambicano Leovegildo Mahumane e continua aberto a todo e qualquer profissional de design que esteja interessado em integrar e contribuir para o projecto.

11- Até onde já chegou, orgulha-se de ser um designer gráfico?

Sim! Desde que me consciencializei que sou um Designer, orgulho-me todos os dias por fazer parte dessa classe criativa e ousada de profissionais. Não é só uma satisfação de percurso, é uma satisfação diária de vida. O design faz-me mais humano.

12- Como olha para a valorização do design gráfico em Angola?

Não há valorização dos designers gráficos em Angola! Por um lado compreendo, mesmo não concordando, porque para além da falta de união na classe, há muitos profissionais que ridicularizam a própria área e a própria classe. Precisamos de ampliar a nossa visão profissional e mercadológica como designers gráficos, para que haja versatilidade, complementaridade, suplementaridade e consequentemente progressos significativos. Acredito que só assim a classe poderá impôr-se e receberá o seu devido valor.

13-Enquanto designer gráfico, qual é o seu maior sonho?

Ver os designers gráficos africanos unidos e comprometidos com a emancipação da expressão visual gráfica africana, na arena continental e/ou global. Farei a minha parte, enquanto vivo estiver, para materializar esse sonho.

14- Aceitaria um possível convite para fazer a capa de um filme internacional?

Aceitaria e já aceitei! Gosto de desafios…

15- Por quê?

Seria, como todas, uma grande oportunidade para o meu crescimento profissional como designer gráfico. Como fiz menção anteriormente, gosto de desafios, fazem-nos crescer.

16- Como designer gráfico, com que empresa ou marca gostaria um dia de poder trabalhar?

Não tem uma empresa ou marca dos sonhos na qual gostaria de trabalhar um dia. Mas se tivesse de responder de outra forma, diria que gostaria de nunca ter de deixar de trabalhar pela e para a DC Entertainment.

17- O design gráfico mudou a sua forma de ver e pensar África enquanto jovem?

Sim! Mudou muito. Para além de despertar a minha paixão pela leitura, pela investigação, o design gráfico tem me permitido renascer culturalmente, velar e valorizar mais o que é nosso e nos identifica. É verdade que isso só é possível com uma reformulação no modo de ver, pensar e projectar África.

18- É muito vaidoso?

Sou (risos). Mas nos últimos tempos abracei o estilo de vida minimalista e isso de certa forma tem reduzido algumas intensidades da minha personalidade!

19- O que não pode faltar no seu guarda-fato?

Roupas pretas!

20- Cor favorita?

Preta.

21- Como gostaria de ser lembrado um dia na sociedade?

Como um ser que, enquanto se descobria e se fazia ”humano”, procurou, por intermédio das suas vocações e talentos, agregar valor às pessoas e fazer do melhor que tinha e podia o tudo quanto fez.

22- O  que é que Angola e África podem esperar de Délcio Caiaia?

Um filho comprometido com a devida Honra da Mãe (África). Não gosto muito de criar expectativas, normalmente sou péssimo a corresponder às mesmas, mas posso simplesmente dizer que os meus propósitos de vida estão directamente alinhados com a emancipação e reconstrução da noção de valor real de África e de cada africano. Farei a minha humilde parte, como filho!

23- Que mensagem deixa ao Angolano designer gráfico e para quem lê a Chocolate? Que mais do que profissionais, nos tornemos igualmente mais humanos, mais unidos como classe e percebamos o nosso papel social,  que é importantíssimo, sobretudo no actual paradigma. Para quem lê a Chocolate, que abuse e se lambuze em cada edição (risos), o chocolate físico agrada o nosso paladar, a Chocolate Lifestyle agrada a nossa mente e o nosso coração.

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