“A grande entrevista”, com Dominick Alexander Maia Tanner

Janilson Duarte
16 Min Read

“Lanço aqui o desafio ao Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente, para sermos – de certa forma – pioneiros no Continente Africano, na digitalização de arquivos nacionais e criarmos um site que disponibilize esse acervo ao mundo, com textos em várias línguas. Finalmente, gostaria que o Executivo escolhesse este momento negativo e lhe desse uma volta positiva, atribuindo máxima prioridade à criação do Museu de Arte Nacional Angolana (MANA), assumindo desta forma a importância social e pedagógica que as artes visuais podem ter no tecido cultural da sociedade angolana”, Dominick Alexander Maia Tanner.

Dominick Alexander Maia Tanner, londrino, residente em Angola há mais de 12 anos, com muitos feitos pela arte e cultura em angola, a contribuir pelo fomento das artes no país e no continente africano há mais de 10 anos, inicialmente como produtor no projecto “JAANGO Nacional”. Dominick Tanner distribui experiência, conhecimento e sabedoria. O que no início da sua adolescência não cativava a sua atenção (as artes), hoje dá-lhe mais do que mil motivos para querer alcançar objectivos ainda maiores na sua carreira.

Homem resiliente, é uma inspiração para muitos jovens que procuram afirmação no mundo das artes. Dominick Alexander Maia tanner, movido pela força de fazer crescer e melhorar o mundo das artes em Angola, contou à Chocolate lifestyle sobre a sua trajectória, sobre a sua visão sobre a arte e cultura no país, projectos e muitos outros pontos delicados e importantes que precisamos saber e dedicar mais atenção e carinho.

Chocolate Lifestyle – Dados do Bilhete de Identidade.

“Nasceu a 11 de Setembro de 1973 em Londres, no Reino Unido, filho de Pai Britânico e Mãe Portuguesa. É residente em Angola há mais de 12 anos.

Chocolate Lifestyle –  Conte-nos sobre a sua história. Quando surgiu a ideia de criar uma galeria de artes?

“O ELA – Espaço Luanda Arte (ELA) é mais do que uma galeria comercial de artes. Somos um espaço físico e espiritual que visa fomentar e celebrar as artes visuais nacionais, através de residências artísticas, workshops e ateliers, exposições, e mesas redondas e debates em torno da educação e do desenvolvimento das artes em Angola que visam promover a pesquisa, o diálogo e a critica construtiva.

Chocolate Lifestyle –  Por quê uma galeria de artes?

“Estreei-me como produtor em 2010/11, com o JAANGO Nacional, os Jovens Artistas Angolanos, iniciativa pela qual tenho um enorme carinho. Trata-se de uma residência de duas semanas e nessa primeira edição participaram nove artistas multidisciplinares. A ideia é levá-los a deixarem fluir pensamentos “fora da caixa”. O convívio é intenso, criando uma cumplicidade e uma troca de técnicas, conhecimentos e experiências que, para mim, são o mais precioso. Cria-se um diálogo! E em Angola percebi que nesta área, devido ao facto de as pessoas não se conhecerem, havia muito pouco diálogo e não se apoiavam. Era uma época de grande informalidade. E eu queria democratizar o acesso à informação, à pesquisa, à crítica, ao debate. O “JAANGO” foi o projecto que me apresentou e me deu toda esta abertura para o mundo das artes em Angola. Começámos a conhecer todos os espaços de arte em Luanda. Trabalhámos com o Chá de Caxinde, com a UNAP, com o Siexpo do Museu de História Natural, com a Academia do BAI. No primeiro ano tivemos o apoio do antigo BESA e a grande ajuda da Leonor Sá Machado, o que nos permitiu levar o “JAANGO” até às províncias onde o banco tinha agências. Depois do “JAANGO” criei a “Vidrul Fotografia” e ambos já tiveram 8 edições cada, e ainda o “Vidrul Convida” que já teve 4 edições. Proporcionou-se a oportunidade de abrir o ELA num edifício corporativo da Rua Rainha Ginga, e agarrei a oportunidade com ambas as mãos. Depois da produção, o passo seguinte – de tornar-me curador de exposições e mesmo galerista de obras de arte – pareceu-me o mais natural.

Chocolate Lifestyle –  Sempre esteve ligado às artes?

“No liceu era um aluno um pouco preguiçoso. Era muito mais virado para as minhas paixões, o desporto e as artes. Nunca pensei em ser pintor, embora tenha feito algumas exposições – talvez arquitecto, porque também gostava de desenho técnico. Angola permitiu sair do mundo da gestão de empresas para a gestão de arte e artistas.”

Chocolate Lifestyle –  O que é que os artistas têm de fazer para expor as suas obras no ELA – Espaço Luanda Arte (ELA)?

“Costumo dizer que trabalhar com artistas é como uma relação de amor. Temos que ter calma e usar muito a psicologia para juntos desenvolvermos a relação. Relação essa que começa no namoro, e talvez acabe em casamento. Seguramente, como qualquer relação, terá os seus altos e baixos, mas deve manter-se sempre no respeito mútuo para que dure muito anos, o máximo possível. Isto para dizer que para expor no ELA damos primazia aos 10 artistas que o ELA representa, e que são: Daniela Ribeiro, Francisco Vidal, Hamilton Francisco / Babu, Joana Taya, Jone Ferreira, Kapela Paulo, Ricardo Kapuka, Suekí, Van e Yola Balanga. O “JAANGO” e a “Vidrul Fotografia” e outras plataformas que produzimos permitem-nos conhecer e começar a trabalhar com novos valores que depois entram, calmamente no radar do ELA e poderão ou não ser trabalhados de forma consistente.”

Chocolate Lifestyle –  O ELA está no mercado há quanto tempo?

“O ELA foi criado em 2016, e desde então tem não só tido um programa regular de mostra de arte angolana, como tem participado em feiras internacionais em Lagos (Nigeria), Cape Town e Joburg (àfrica do Sul), Paris (França) e Londres (Reino Unido).”

Chocolate Lifestyle –  A galeria tem parcerias com artistas angolanos, para ajudar na divulgação das suas artes?

“O ELA trabalha 100% com Artistas Angolanos, com a missão de fomentar as artes e os artistas nacionais.”

Chocolate Lifestyle –  Para além de fundador do ELA, quais são as suas outras paixões?

“Para além do ELA e aproveitando a grande experiência de residências artísticas para artistas nacionais, desde 2018 que criámos o “ANGOLA AIR” – o primeiro programa para residências artísticas nacional para não-Angolanos, com particular enfoque em artistas do continente africano, da diáspora africana e da afro-descendência. Para além de ajudar a reescrever a narrativa sobre o que define Angola e a desconstruir estereótipos que por vezes são nefastos e nada acrescentam para a imagem do país (ou pelo contrário), a ideia é colocar Luanda na trilha internacional de arte e cultura, prestigiando Angola e África. Neste momento temos mais procura por parte de artistas do que oferta em termos de virem fazer a residência – mas não se trata de uma fábrica.”

Chocolate Lifestyle –  Pretende criar outro espaço cultural para expandir cada vez mais a cultura angolana fora do país?

“O Executivo poderá contar com os meus melhores esforços naquilo que pudermos ajudar, e espero poder contribuir para a criação, o desenvolvimento e afirmação nacional e internacional do Museu de Arte Contemporânea Angolana (MANA).”

Chocolate Lifestyle –  De onde surgiu a sua paixão pelas artes? Teve influência de algum familiar?

“Julgo que foi identificado e fomentado pelos meus professores na escola. Aconselho a todos, mesmo que sigam outra área na vida académica e profissional que não deixem de seguir e apoiar as artes.”

Chocolate Lifestyle –  Sempre viveu em Angola?

“Estou há pouco mais de 12 anos em Angola. Os meus três filhos são Angolanos. Sinto-me em casa.”

Chocolate Lifestyle –  De que forma a pandemia do novo Coronavírus afectou a galeria?

Esta pandemia veio mostrar o quanto estamos interligados, quer a nível nacional, quer internacional, e a importância e o reflexo que cada ato solitário tem no coletivo. Ainda é prematuro tirar ilações conclusivas, mas podemos constatar que, se a crise económica já havia provocado enormes dificuldades aos artistas plásticos em Angola, então o Covid-19 e a obrigatoriedade de fecharmos galerias, centros culturais, espaços comerciais e condicionar o acesso a ateliers de artistas poderá ter criado derradeiros problemas financeiros a todos os envolvidos, resultando em menos artistas, no fecho das poucas galerias que tinhamos, acabando, finalmente, por causar uma fraca oferta de arte e cultura e, consequentemente, um retrocesso na sensibilidade e educação por parte do público pelas artes. Todo o sector das artes visuais poderá sair tragicamente debilitado. Pelo que cabe a cada um de nós dar o seu contributo para contrariar essa tendência.”

Chocolate Lifestyle –  Após um ano a vivermos experiências diferentes com a Covid-19, conseguiram adaptar-se às mudanças e dar a volta por cima?

“Ainda é prematuro mas seria importante que o Executivo apoiasse a criação de um ‘Fundo das Artes’ ao qual os artistas e as galerias se pudessem candidatar, pelo menos durante um ano, até que os maiores efeitos económicos passassem. Não estou a falar de regalias fiscais, mas sim de bolsas de apoio a custo zero, e sem olhar a ‘cunhas’. Em simultâneo, mesmo com os poucos museus que temos em Angola – e os que temos não estão online – lanço aqui o desafio ao Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente para sermos, de certa forma, pioneiros no Continente Africano na digitalização de arquivos nacionais e criarmos um site que disponibilize esse acervo ao mundo, com textos em várias línguas. Finalmente, gostaria que o Executivo escolhesse este momento negativo e lhe desse uma volta positiva, atribuindo máxima prioridade à criação do Museu de Arte Nacional Angolana (MANA), assumindo desta forma a importância social e pedagógica que as artes visuais podem ter no tecido cultural da sociedade angolana.”

Chocolate Lifestyle –  Como vê o mundo da arte e cultura em Angola?

“Em traços gerais, verifico um mundo da arte e cultura em Angola com melhores práticas nos últimos anos, mas ainda muito informal e imatura. Na parte das galerias ainda dependemos muito do mercado primário (as exposições em galerias) – mas pessoalmente vejo uma necessidade de criar ainda mais um mercado secundário, com revendas de obras e vendas através de leilões sérios. Na parte das entidades que tutelam o mundo da arte e cultura em Angola temos o exemplo da União Nacional dos Artistas Plásticos (UNAP) – costumo dizer que a UNAP deveria ser uma espécie de mediadora entre os artistas e as restantes entidades. Se a UNAP quisesse chamar as galerias e outros espaços como membros honorários não-executivos, seria muito positivo, porque era uma forma de nós termos mais comunicação e interacção, porque só com informação tomamos decisões mais ajuizadas. Mas alguns passos já foram dados, nomeadamente no caso do ELA, que celebrou protocolos com duas instituições, o Complexo das Escolas de Arte (CEARTE) e o Instituto Superior de Artes (ISART) e futura Faculdade de Artes da Universidade Agostinho Neto. Acredito que só havendo mais diálogo, vai haver mais contributos entre sistemas e, sobretudo, incentivos para nos inspirarmos. E gostaria de ver em Angola práticas que encontro nas minhas andanças por África.”

Chocolate Lifestyle –  Na sua opinião quais são os campos que precisamos melhorar?

“Acima de tudo o Angolano deve ter conhecimento quantitativo e qualititativo do que existe no seu país a nível da arte e cultura. É necessário educar o público local que, penso, muitas vezes ainda confunde o artesanato com a arte. Sinto que há lá fora uma sede de conhecer Angola, por vezes maior que a dos próprios angolanos. Conheço mais artistas estrangeiros a quererem investigar a Rainha Nzinga do que tenho aqui. A artista Africana-Americana Ayana V. Jackson esteve conosco há dois anos a estudar a Kianda; e, o artista Afro-Brasileiro No Martins estudou a Kalunga. Por isso, faço um apelo aos Angolanos que são ´opinion-makers´ ou ´influencers´ para que olhem para dentro, para a sua identidade, a sua arte e para a sua cultura, e adquiram obras de arte, que é quase uma responsabilida- de moral de quem o pode fazer e uma forma de prestigiar-mos a identidade, a arte e a cultura nacional. Nos últimos 100 anos, um dos investimentos mais positivos foi a arte e ainda há muita margem de manobra para a arte e cultura nacional de qualidade, que é o que defendemos no ELA e aonde realizamos cada vez mais esforços no sentido de criar maior vontade de colecionadores locais em adquirirem Arte angolana. Consequentemente, se ajudarmos a aumentar o público local, essas obras poderão ficar no país. Se houver um público pan-africano, poderão “rodar” por vários países, o que é importantíssimo. Assim com a criação do Museu de Arte Contemporânea Angolana (MANA), para preservar não só as obras, mas a identidade dos últimos 40 e 50 anos, através da forma como foram retratados a nível artístico e cultural.”

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