
Além de modelo, Imanni da Silva é uma figura de destaque em artes plásticas, representação, televisão e activismo social. Mas o mundo conhece-a e reconhece-a como a primeira modelo transexual africana de destaque.
Gostará de ouvir a sua história na primeira pessoa.
Como é que tudo começou?
“Dizem que todo o ser nasce artista, mas nem todos alimentam este lado. Eu sempre tive rodeada de coisas que estimulassem o meu poder criativo – desenhar, pintar, ler… eu brincava muito com pintura.
Nós nunca tivemos uma sociedade que estimulasse a arte na criança, para seguir uma carreira artística. Por este motivo, na adolescência, depois de terminar o ensino secundário, perguntava-me o que ia fazer, quando não tínhamos escolas de arte com as mesmas condições que temos hoje a nível artístico e de design. Isto na altura deixou-me perdida.
Cheguei a pensar em fazer medicina, mas desisti, por não ser algo que realmente queria e em que desejava trabalhar. Fiz o ensino médio em artes.”
E quanto à moda em particular, como nasceu o seu interesse?
“A moda sempre fez parte da minha vida de uma forma ou de outra, isto pelas mulheres da minha família sempre serem vaidosas, glamorosas. Na adolescência, depois da abertura que houve dos conteúdos (revistas) e canais internacionais, fui aumentando o meu conhecimento sobre moda a nível mundial.”
E por quê a transição sexual e a escolha de seguir a carreira como modelo transgénero?
“Aos 19 anos mudei-me para Inglaterra (onde praticamente vivo até hoje). Lá, aos 21 anos, comecei a dar os primeiros passos enquanto modelo, mas na altura era complicado. Por conta de fisicamente ser muito andrógena, num tempo em que a indústria da moda era muito limitada, a exigência para modelos era muito maior a nível físico e de aparência e eu não me encaixava em nenhuma.
Formei parceria com vários fotógrafos, o que me possibilitou formar um bom book (portfólio) variado, com fotografia de alta qualidade, que mesmo as agências gostando, ainda assim admitiam que não podia garantir trabalho por conta da minha imagem.
Os únicos trabalhos que conseguia eram de publicidade, que também não havia muito como hoje. Naquela altura não se falava de diversidade, a discriminação era muito maior. E como modelo de género masculino, com 1,80 m, para a passadeira era considerada baixa (hoje em dia para ambos os géneros já não é um problema).
As pessoas diziam que tinha vantagem por ser exótica, que dependentemente da caracterização eu poderia passar por africana, latina, árabe, enfim… o que facilitava, mas ao mesmo tempo não havia clientela para a minha imagem. Os trabalhos na moda eram muito poucos.
Mas em 2012, quando regressei e passei a dividir o meu tempo entre Angola e Inglaterra, foi quando comecei a reafirmar-me e conquistar espaço em Angola. Para a indústria da moda, a minha presença foi como a de alguém que chegou para marcar a diferença, esta foi a minha oportunidade de ocupação de espaço, comecei a trabalhar e a contribuir para inspirar outras pessoas.”
Foram estes os reais motivos para a mudança de sexo (ou de género)?
“Digo que não. Chegou uma fase da minha vida (e não foi por conta da moda, mas algo pessoal) quando em 2007 resolvi dar um passo importante a nível pessoal, que foi a transição de género.
A partir daí, quando fisicamente a minha aparência começava a adaptar-se ao género com que me identifico, começou a haver uma brecha, embora ainda houvesse dificuldade pelo facto de ser uma pessoa transgénero. A indústria da moda não conseguia separar-se deste rótulo e este rótulo contava muito, mas eram poucos estilistas que se interessavam por este leque no seu elenco para desfiles.”
Como é que se sentiu depois disto?
“Quando tomei a decisão foi algo que pura e simplesmente já sentia desde a minha infância. Sempre me identifiquei com o género feminino, desde os meus 5 anos, apesar de se questionar na altura por falta de informação.
Em momento algum me questionei como o mundo me iria ver, eu simplesmente quis reencontrar-me. A minha preocupação era de realizar o meu sonho de ser eu mesma e de um dia poder olhar-me ao espelho e ver aquilo que fizesse sentido para mim.”
Como é que a família recebeu a notícia?
“Primeiramente a minha família não esperava. Estamos a falar de mais de uma década atrás, quando não havia tanta informação como hoje. A família ficou meio perdida por não perceber o que se passava e o porquê da minha decisão. Mas com alguma sensibilização foram percebendo e hoje em dia não tenho nenhum problema com ela, muito pelo contrário.
Hoje uso esta experiência para sensibilizar as pessoas, pois se não for a família a abraçar-nos, quem vai? O apoio de pessoas próximas faz toda a diferença.”
Qual é a sua posição quanto à reação das pessoas?
“O mundo ainda não consegue perceber e faz muito mais confusão na cabeça das pessoas alguém que se tenha submetido à transição de sexo. As pessoas acham que somos pessoas muito desequilibradas ao ponto de mexermos com o nosso corpo para nos encaixarmos no nosso padrão.
E em especial as mulheres trans, somos hiper, mega sexualizadas. Muitos acham que estamos de prontidão para servir a fantasia sexual de qualquer homem, atender aos seus caprichos. Mas nós somos pessoas normais, temos sentimentos, apaixonamo-nos, amamos e procuramos as mesmas coisas que as outras pessoas.”
Hoje é conhecida como uma grande activista social e defensora da classe LGBT em Angola. Gostaria de falar um pouco a respeito?
“O nosso papel enquanto activistas é desmistificar e desconstruir muitas ideologias erradas sobre ser LGBT. Não é uma doença, não é rebeldia, não é uma questão de educação, não é questão espiritual, é algo que faz parte do ser da pessoa.
Hoje já há uma abertura, embora as pessoas achem que alguns estão a ser influenciados a ser, ninguém é influenciado a ser. Felizmente em Angola já temos uma lei que protege, que nos ajuda a penalizar quem age com discriminação contra pessoas LGBT.
Da mesma forma que se está a fazer um trabalho excelente a nível de sensibilização do HIV Sida, violência contra a mulher, abuso sexual, que o governo também considere levar a temática LGBTQA+ para que as pessoas e a comunidade olhem com outros olhos a esta classe.”
Sente-se uma pessoa realizada?
“Sinto-me feliz e realizada. É claro que a nível de carreira queremos sempre mais, mas não posso reclamar. Às vezes cai-me a ficha e consigo perceber até onde consegui chegar. Uma pessoa que não gosta de ser pública, mas por conta da história de vida que tem, continua firma e forte. Desejo que todos consigam dar ao próximo aquilo que gostariam de receber também: o amor e o carinho.”
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